Enriquecimento ambiental na experimentação animal
O bem-estar é o estado individual que reflete a capacidade de um animal manter a estabilidade física e emocional frente aos desafios dos ambientes externo e interno. Fatores ambientais, se percebidos pelo cérebro como ameaçadores, desencadeiam uma resposta neuro-imuno-endócrina adaptativa ou danosa, a depender da duração e da intensidade dos eventos. Emoções e sentimentos aversivos causam sofrimento que resultam não somente em danos emocionais, mas também em alterações fisiopatológicas. Condições de criação ou manutenção, portanto, causam impacto na vida dos animais e podem influenciar o resultado das pesquisas científicas realizadas.
O enriquecimento ambiental (EA) é o uso de estímulos artificiais que se aproximam às necessidades naturais de uma espécie e ampliam bem-estar físico e psicológico de animais cativos a fim de melhorar a qualidade e a complexidade do ambiente artificial. A inclusão dessas melhorias permite o desenvolvimento da organização espacial e social, diversidade comportamental e controle sobre o ambiente, minimizando os impactos negativos do cativeiro no bem-estar dos animais.
O uso de EA com animais em laboratório é extensamente descrito na literatura internacional, constituindo um componente essencial da utilização humanitária de animais e considerado tão importante quanto à garantia de nutrição adequada e cuidados veterinários. No Brasil, a prática também é solicitada aos pesquisadores que utilizam animais para fins científicos ou didáticos, salvo justificativa, em diferentes Resoluções Normativas do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (RN CONCEA nº 15/2013, RN CONCEA nº 30/2016, Orientação Técnica nº 12/2018).
O método utilizado deve se basear no conhecimento sobre características fisiológicas da espécie com a qual se trabalhar na avaliação da frequência de comportamentos dos animais no período experimental – por meio de etogramas, por exemplo. De fato, a observação do comportamento constitui uma ferramenta válida tanto para auxiliar na escolha do EA, quanto para indicar o sofrimento de um indivíduo. O método utilizado para enriquecer o ambiente deve estar associado a repertórios comportamentais fortemente manifestados pelos animais, os quais incluem interação social, formação de ninhos, forrageamento, atividade exploratória, entre outros (Tabela 1). Ainda, é importante determinar objetivamente a relevância dos efeitos benéficos do EA adotado sobre os indivíduos, sendo que o método não deve oferecer risco aos animais e às pessoas, nem causar interferências indesejáveis aos resultados do projeto científico.
O EA é um valioso instrumento a ser utilizado para o aperfeiçoamento das pesquisas realizadas com animais, permitindo que os indivíduos expressem seus comportamentos mesmo em cativeiro. Os benefícios não se reduzem ao animal: há ganhos éticos, morais e dados científicos com maior confiabilidade para os pesquisadores que promovem o EA e o bem-estar animal.
Tabela 1. Comportamentos naturais, não naturais e métodos de enriquecimento ambiental (EA) conhecidos para diferentes espécies animais
Espécie | Comportamentos naturais | Comportamentos não naturais | Métodos conhecidos de EA |
Camundongo | – Interação social; | – Barbering; | – Alojamento em duplas ou grupos; |
– Busca por alimento; | – Estereotipias (movimentos repetitivos sem finalidade); | – Sementes e/ou frutas podem ser escondidas na cama da gaiola para estimular a busca; | |
– Ato de roer; | – Agressividade (caixas com sangue, erosões e úlceras na pele). | – Introdução de abrigos (ex. cano de PVC) em material atóxico, de fácil higienização e dimensão adequada à espécie; | |
– Construção de túneis e ninhos. | – Introdução de papel picado, papel toalha ou lenço de papel para construção de ninhos. | ||
Rato | – Interação social; | – Atividade e locomoção reduzidas; | – Alojamento em duplas ou grupos; |
– Busca por alimento; | – Estereotipias; | – Sementes e/ou frutas podem ser escondidas na cama da gaiola para estimular a busca; | |
– Ato de roer; | – Agressividade. | – Introdução de abrigos (ex. cano de PVC) em material atóxico, de fácil higienização e dimensão adequada à espécie; | |
– Construção de túneis e ninhos. | – Introdução de papel picado, papel toalha ou lenço de papel para construção de ninhos; | ||
Aves | – Interação social; | – Bicagem; | – Sementes e/ou vegetais podem ser colocados suspensos na gaiola ou recinto para estimular a busca; |
– Busca por alimento; | – Canibalismo; | – Introdução de poleiros, ninhos de madeira em diferentes alturas; | |
– Construção de ninhos. | – Estereotipias; | – Feno e grama fresca como cama em áreas externas. | |
– Brigas. | |||
Suínos | – Interação social; | – Introdução de materiais suspensos na baia (ex. corda de sisal, corrente de metal); | |
– Busca por alimento; | – Agressividade; | – Introdução de brinquedos comestíveis, rígidos ou deformantes; | |
– Curiosidade e exploração do ambiente; | – Canibalismo; | – Introdução de serragem, feno ou lascas de madeira no chão da baia. | |
– Estereotipias (mastigação sem alimento, lambedura do chão, mordedura da estrutura da baia). | |||
Baumans, V. (2005). Environmental enrichment for laboratory rodents and rabbits: requirements of rodents, rabbits, and research. ILAR Journal, 46(2), 162–170.https://doi.org/10.1093/ilar.46.2.162
Beaver, B.V. (1989). Environmental enrichment for laboratory animals. ILAR Journal, 31(2), 5–11.https://doi.org/10.1093/ilar.31.2.5
Poole, T. (1997). Happy animals make good science. Laboratory Animals, 31(2), 116–124. https://doi.org/10.1258/002367797780600198
Welfare Quality®. Welfare Quality®assessment protocol for pigs (sows and piglets, growing and finishing pigs). Welfare Quality®Consortium, Netherlands, 2009.
Würbel, H., & Garner, P.G. Refinement of rodent research through environmental enrichment and systematic randomization. NC3Rs, 2007.