O uso de animais em pesquisas científicas é pautado pelos princípios dos 3Rs (Substituição, Redução e Refinamento),harmonizando a produção científica e o bem-estar animal 1. Esta orientação refere-se ao princípio do Refinamento. O terceiro R consiste em adotar estratégias para redução de danos durante a realização do experimento. Por exemplo, o uso sistemático de enriquecimento ambiental 2, a forma de contenção dos animais 3,4 e o tratamento da dor intencional ou secundária ao objetivo científico 1,5,6,7, evitando que os animais sejam submetidos a sofrimentos desnecessários. Por isso, orientamos que pesquisadores considerem o princípio do refinamento ao planejarem seus protocolos de pesquisa, ponderando a possibilidade de dor, angústia e desconforto e a necessidade de tratamento. A regra de ouro é: se um procedimento é considerado doloroso em humanos, deve ser assumido que é doloroso em animais 5.
Ainda, a proteção dos animais é consolidada na legislação brasileira nos seguintes documentos:
- O artigo 14 da lei 11.794/2008, em seu parágrafo 5°, estabelece que: “Experimentos que possam causar dor ou angústia desenvolver-se-ão sob sedação, analgesia ou anestesia adequadas” e em seu parágrafo 6°, que admite a exceção: “Experimentos cujo objetivo seja o estudo dos processos relacionados à dor e à angústia exigem autorização específica da CEUA, em obediência a normas estabelecidas pelo CONCEA.” 8;
- O artigo 32 da lei 9.605/1998 caracteriza a prática de abuso e maus-tratos: “§1° […] quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos” 9;
- O item 7.2.5 da Resolução Normativa N° 55, de 05 de outubro de 2022, do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, estabelece que “O uso de agentes tranquilizantes, analgésicos ou anestésicos locais ou gerais deve ser adequado à espécie e pautado nas práticas correntes da Medicina Veterinária” e o item 7.2.6.,
“Atividades de ensino ou de pesquisa científica que possam causar algum tipo de dor, sofrimento ou estresse e que requeiram o uso de analgesia e anestesia devem ser executadas utilizando procedimentos adequados à espécie e por usuário capacitado, com assessoramento de um Médico Veterinário. Caso não seja possível o uso de analgesia/anestesia, deve ser devidamente justificado” 10.
Caso avaliem que as medidas de alívio de sofrimento, por exemplo, o tratamento da dor, entram em conflito com o objetivo científico, a CEUA-UnB orienta que, ao enviarem propostas, apresentem a justificativa para a suspensão ou retenção de tais medidas baseada nos seguintes critérios:
- Ter considerado, juntamente com o (a) médico (a) veterinário (a) responsável, as classes de fármacos disponíveis para o alívio da dor ou angústia antes da submissão de proposta com retenção de tratamento da dor. São elas:
Classes e fármacos para MAMÍFEROS | |
Tratamento da dor aguda | Exemplos |
Anti-inflamatórios não esteroidais | Cetoprofeno, Fenilbutazona, Flunixina meglumina, Meloxicam |
Analgésico simples | Dipirona, Paracetamol |
Analgésicos opioides | Buprenorfina, Butorfanol, Fentanil, Meperidina, Metadona, Morfina, Tramadol |
Adjuvantes para tratamento da dor crônica | Exemplos |
Antidepressivos tricíclicos | Amitriptilina |
Gabapentinoides | Gabapentina, Pregabalina |
Fármacos usados em procedimentos anestésicos | Exemplos |
Anestésicos locais | Bupivacaína, Lidocaína |
Anestésicos gerais inalatórios | Isofluorano, Sevofluorano |
Anestésicos gerais injetáveis | Propofol, Tiopental |
Anestésicos dissociativos | Cloridrato de cetamina, Tiletamina |
Alfa-2 agonistas | Detomidina, Dexmedetomidina, Xilazina |
Fenotiazínicos | Acepromazina, Clorpromazina |
Benzodiazepínicos | Diazepam, Midazolam, Zolazepam |
Classes e fármacos para PEIXES | |
Anestésicos para imersão | Benzocaína, MS-222 Tricaína metano sulfonato, Óleo de cravo (Eugenol) |
Anestésicos locais | Lidocaína, Bupivacaína |
Tratamento da dor aguda | |
Anti-inflamatórios não esteroidais | Ácido acetilsalicílico, Diclofenaco Sódico, Flunixina meglumina |
Analgésicos opioides | Buprenorfina, Morfina |
- Apresentar, no formulário de submissão, as melhores evidências disponíveis, publicadas nos últimos dez anos, que tenham relação direta com as vias da dor ou inflamação do estudo em questão e que forneçam embasamento científico apropriado para justificar a retenção de possíveis medidas de alívio de sofrimento.A CEUA-UnB estimula a abordagem da literatura de forma sistemática (revisões integrativas, revisões de escopo, revisões sistemáticas, metanálises) e associação a evidências locais para a tomada de decisão sobre a suspensão ou retenção do tratamento da dor.
- Descrever detalhadamente no formulário de submissão os cuidados adicionais que serão realizados para oferecer suporte aos animais nos quais é prevista a suspensão ou retenção do tratamento da dor. Por exemplo, frequência de monitoramento, tratamento suporte (hidratação, alimentação, aquecimento) e ponto final humanitário.
Informamos que os projetos que contemplam procedimentos que causam dor ou angústia nos animais e que não preveem o uso de fármacos para promoção do nível adequado de tratamento da dor requeridos pelo procedimento, deverão seguir os critérios supracitados para obtenção da aprovação na CEUA-UnB.
A CEUA-UnB recomenda as seguintes referências para informações complementares:
ZANATTO, D.A; MORI, C. M. C. Plataforma BPEA: Boas Práticas em Experimentação Animal, 2024. Disponível em: https://sites.usp.br/bpeanimal/. Acesso em: 20 ago. 2024.
NC3Rs. Welfare assessment: Grimace scales. London: NC3Rs, 2022. Disponível em: https://nc3rs.org.uk/3rs-resources/grimace-scales. Acesso em: 03 mar. 2024.
NC3Rs. Mouse Handling. London: NC3Rs. s.d. Disponível em: https://nc3rs.org.uk/3rs- resources/mouse-handling. Acesso em: 03 mar. 2024.
NC3Rs. 3Rs advice for project licence applicants. London: NC3Rs, 2024. Disponível em: https://nc3rs.org.uk/3rs-resource-library/3rs-advice-project-licence-applicants. Acesso em: 20 ago. 2024.
Referências Bibliográficas
- CONCEA – Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal. Guia brasileiro de produção, manutenção ou utilização de animais em atividades de ensino ou pesquisa científica. 1.ed. Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação, 2023. 1107 p. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/composicao/conselhos/concea/paginas/publicacoes-legislacao-e-guia/guia-brasileiro-de-producao-manutencao-ou-utilizacao-de-animais-para-atividades-de-ensino-ou-pesquisa-cientifica. Acesso em: 20 ago. 2024.
- MAKOWSKA, I.J; WEARY, D.M. A good life for laboratory rodents? ILAR, v. 60, n. 3, p. 373-388, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1093/ilar/ilaa001. Acesso em: 03 mar. 2024.
- HURST, J. L.; WEST, R. S. Taming anxiety in laboratory mice. Nat. Methods, v. 7, p. 825-826, 2010. Disponível em: https://www.nature.com/articles/nmeth.1500. Acesso em: 20 ago. 2024
- CLARKSON, J. M.; et al. Handling method alters the hedonic value of reward in laboratory mice. Sci. Rep., v.8, n. 2448, 2018. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41598-018-20716-3. Acesso em: 20 ago. 2024.
- CARBONE, L. Pain in Laboratory Animals: The Ethical and Regulatory Imperatives. PloS One, v. 6, n.9, e2157, 2011. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0021578. Acesso em: 20 ago. 2024
- PETERSON, N. C.; NUNAMAKER, E. A.; TURNER, P. V. To Treat or Not to Treat: The Effects of Pain on Experimental Parameters. Comp. Med., v. 67, n. 6, p. 469-482, 2017. Disponível em: https://www.ingentaconnect.com/content/aalas/cm/2017/00000067/00000006/art00002. Acesso em: 20 ago. 2024.
- TAYLOR, D. K. Influence of Pain and Analgesia on Cancer Research Studies. Comp. Med., v. 69, n. 6, p. 501-509, 2019. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6935705/pdf/cm2019000501.pdf. Acesso em: 20 ago. 2024.
- BRASIL. Lei n º 11.794, de 08 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 196, p. 1, 09 out. 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11794.htm. Acesso em: 08 jan. 2024.
- BRASIL, Lei n º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 31, pag. 1. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 12 julho. 2024.
- CONCEA – Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal. Ministério da Ciência, tecnologia e inovação. Resolução Normativa Nº 55, de 5 de outubro de 2022. Atualiza o texto da Diretriz Brasileira para o Cuidado e a Utilização de Animais em Atividades de Ensino ou de Pesquisa Científica – DBCA. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 192, p. 10-15, 7 out. 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-55-de-5-de-outubro-de-2022-434869177. Acesso em: 20 ago. 2024
Autoria: Ana Luiza Sarkis Vieira, Carina da Costa Krewer, Fabiane Hiratsuka Veiga de Souza, Fábio Viegas Caixeta, Larissa Borges Cardozo, Mariana Damazio Rajão, Maria Raquel de Almeida